A UNICEF estima que mais de 1% das crianças da Faixa de Gaza morreram na guerra no enclave palestiniano, criticando Israel, país invasor, por “ir longe demais” no conflito com o Hamas.
Numa entrevista à agência Lusa a partir de Rafah (no sul do enclave e próximo da fronteira com o Egito), James Elder, australiano de 53 anos e porta-voz no Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disse nunca ter visto uma devastação como a que se regista em Gaza, sobretudo em Khan Yunis.
“Penso que os números falam por si. Mais de 1% de todas as crianças de Gaza foram mortas. Qualquer coisa como 13.000 rapazes e raparigas. Todas as crianças aqui precisam de algum tipo de apoio ou de ajuda de saúde mental. Todos estes tristes recordes foram batidos”, afirmou Elder, manifestando-se horrorizado com a situação.
“Tantas pessoas que perderam todos os seus entes queridos. Dois terços das casas e edifícios danificados ou destruídos. Dois terços dos hospitais não estão a funcionar. As taxas de desnutrição atingiram níveis catastróficos mais rapidamente do que nunca. Penso que tudo isto conta a sua própria história brutal”, afirmou Elder.
O responsável da UNICEF, que já fez missões no Sudão e na Ucrânia, está desde segunda-feira no sul do enclave e tem-se desdobrado em ajuda entre o que resta dos hospitais em Rafah e em Khan Yunis, onde o principal, o Nasser, já não está a funcionar.
“Nunca vi uma devastação como esta em Khan Yunis, nos meus 20 anos com as Nações Unidas. Tudo destruído. É uma cidade com edifícios em que foram simplesmente destruídos três, quatro, cinco, seis andares. Para onde quer que se olhe, em cada rua que se desça, é só entulho”, frisou Elder.
Segundo o porta-voz da UNICEF, que no final de 2023 passou vários meses no hospital Nasser, há poucos meses ainda era possível contar com o apoio de médicos, que prestavam “todos os cuidados possíveis”, a inúmeras crianças com feridas de guerra, queimaduras e estilhaços de bombas.
“Houve uma ofensiva terrestre e o hospital Nasser deixou de existir em termos de funcionalidade. Era um hospital fundamental, realmente fundamental para crianças e civis aqui no sul. Rafah é uma cidade de crianças. Tem o dobro da densidade populacional da cidade de Nova Iorque e não tem arranha-céus. Há pessoas a dormir nas ruas. É intenso. É um desespero absoluto. É frio. Tem estado a chover, mas são pessoas que costumavam ter casas e salas de estar e quartos de crianças, agora completamente destruídos, e que fazem tudo o que podem com o que têm, que é muito pouco”, relatou.
Sublinhando que toda a região está a ser alvo de uma “catástrofe humanitária”, Elder defendeu que a solução “nem sequer é assim tão complicada”, apesar da situação horrível das pessoas, das crianças que estão a morrer à fome, da fome iminente”.
“Mais de 1% de todas as crianças de Gaza foram mortas”, insistiu: “é espantoso e a solução não é assim tão complexa. É inundar a Faixa de Gaza com ajuda”.
“Quando cheguei [segunda-feira, através da entrada fronteiriça do Egito], passei por centenas de camiões. Centenas de camiões de comida, água, medicamentos, tudo o que as pessoas precisam aqui. É preciso que essas coisas sejam autorizadas a entrar”, contou.
“Precisamos também de mais pontos de acesso a Gaza, o mais rapidamente possível. E as estradas são a forma mais rápida possível de fazer chegar a ajuda. Portanto, mais ajuda, mais acesso e um cessar-fogo. Precisamos de um cessar-fogo. As pessoas aqui sofreram demasiado. Não podemos – e estou a ouvir ‘drones’ [aeronaves não tripuladas] agora – ter mais bombardeamentos de crianças”, acrescentou Elder.
O responsável da UNICEF salientou que as filas com camiões parados com ajuda humanitária estendem-se “por quilómetros e quilómetros” e que grande parte deles estão já quase junto à fronteira, a aguardar “luz verde” para entrar no enclave.
“Temos crianças a morrer à fome com a ajuda a poucos quilómetros de distância. Transportam toda a ajuda de que as pessoas tão desesperadamente precisam, sobretudo aquelas crianças esfomeadas que vi hoje todo o dia. Estão apenas a alguns quilómetros de distância”, lamentou, reiterando estar a assistir a algo impensável.
“Nos hospitais, para onde quer que olhemos, vemos uma criança com feridas de guerra”, relatou.
“Hoje, falei com um colega. Estávamos a conversar. Perguntei-lhe como estava a sua família. E ele explicou-me que 36 dos seus familiares tinham sido mortos há umas semanas. A mãe, o pai, os irmãos, as irmãs, as tias, os tios, toda a gente. E isto não é novo, não é único”, frisou Elder.